Minas Gerais foi o estado da Região Sudeste que mais recebeu comprimidos de cloroquina 150mg, medicamento que aparece no rol do “tratamento precoce” contra a COVID-19 em protocolos do Ministério da Saúde. Foram mais de 400 mil unidades da substância, que não teve a eficácia comprovada cientificamente, enviadas ao estado (leia mais aqui).
Parte dos produtos foi encaminhada à Secretaria de Estado de Saúde de Minas (SES-MG) e o restante foi destinado diretamente aos municípios que solicitaram. Ao todo, foram 5.416.510 comprimidos distribuídos em todo o Brasil – número próximo ao de doses de vacinas aplicadas no país até agora: 5,7 milhões.
O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) foi o responsável por produzir e embalar a cloroquina 150mg. Pelo menos R$ 1,5 milhão foram utilizados para a fabricação do medicamento em 2020, que teve os insumos com valores reajustados em 167% em menos de dois meses.
Antes da pandemia da COVID-19, a cloroquina já era produzida no LQFEx para uso interno do Exército, para combater a malária durante missões na selva brasileira. Com a chegada do coronavírus ao Brasil, o laboratório passou a aumentar a produção do medicamento, chegando a 1,3 milhão de comprimidos por semana.
Para isso, foi preciso adquirir a cloroquina em pó, principal ingrediente da substância, e que consumiu a maior parte do valor para a fabricação do remédio.
De acordo com o Painel de Compras do governo federal, o LQFEx fechou a compra de uma tonelada de cloroquina em pó ao custo de R$ 1.304 o quilo. As aquisições foram divididas: 500kg em 6 de maio e outros 500kg em 20 do mesmo mês, por R$ 652 mil cada carregamento.
Porém, dois meses antes, em 20 de março, o próprio Exército comprou 414kg da mesma substância ao custo de R$ 488 o quilo, o que representou aumento de 167% no valor na segunda compra.
A diferença fica ainda mais elástica se levada em consideração a compra feita pelo Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) em 2019, quando o mesmo fornecedor vendeu cloroquina em pó a R$ 219 o quilo. Na ocasião, duas toneladas foram adquiridas por R$ 439.960. Diferença de 495% nos valores cobrados entre 2019 e 2021.
A compra chamou a atenção do Ministério Público do Tribunal de Contas da União (MPTCU), que enviou um ofício ao TCU para investigar suspeita de superfaturamento na negociação. Como resposta ao órgão, o Exército justificou a alta do dólar e uma crescente na demanda pelo insumo.
Em 8 de fevereiro, o TCU deu 15 dias para o Comando do Exército e o Ministério da Saúde prestarem esclarecimento sobre a questão da cloroquina no Brasil. A Corte quer explicações sobre a produção e distribuição do medicamento. O Exército também terá que responder sobre a estimativa de produção da cloroquina 150mg em 2021.
Outras aquisições por parte do LQFEx contribuíram para que os custos da produção da cloroquina chegassem a R$ 1.598.974, entre eles a compra de padrões de análise de purezas do fosfato de cloroquina, compra de alumínio, rótulos, etiquetas e materiais para confecção da bula.
O Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM) e o Laboratório Químico Farmacêutico da Aeronáutica (LAQFA) apoiaram a produção da cloroquina 150mg, mas somente o Exército tem registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que permite embalar a substância.
Em resposta ao questionamento do Estado de Minas, o Exército informou que, em 2020, o LQFEx produziu 3.229.910 comprimidos de cloroquina 150mg. Em 2017, cerca de 265 mil comprimidos foram fabricados, enquanto em 2018 e 2019 não houve produção. O estoque atual do laboratório químico é de cerca de 320 mil comprimidos, com validade até 2022.
Pergunta sobre quantas pessoas estiveram empenhadas em 2020 na produção da cloroquina não foi respondida, assim como não foi dada justificativa para a compra de cloroquina em pó por preço 167% maior do que o praticado dois meses antes.
“Cabe destacar que o LQFEx é um órgão executor. Assim, não é da sua competência decidir sobre: ampliação ou redução na produção de medicamentos; eficácia ou posologia de fármacos; e definição de quantidades e/ou unidades da Federação que receberão os medicamentos produzidos”, informou, em nota, a instituição.
De acordo com o Portal da Transparência, o Laboratório Químico do Exército dispõe de um quadro de 35 funcionários, a maioria técnicos de tecnologia militar e auxiliares de laboratório. Somente nos dois cargos são 18 servidores, além de analistas de tecnologia militar, técnico de laboratório, auxiliares operacionais, entre outros.
Norte do Brasil ficou com 1,81 milhão de unidades
Ainda de acordo com dados do Ministério da Saúde, 5.416.510 comprimidos de cloroquina foram entregues em todo o Brasil. Entre as regiões, a maior quantidade foi enviada para o Norte do país: 1.817.000 unidades. De toda a região, o Pará foi o estado que mais recebeu o medicamento: 539 mil comprimidos.
O Nordeste, por sua vez, recebeu 1.144.160 comprimidos do Ministério da Saúde, com o Ceará registrando o maior carregamento: 344 mil. O Sudeste, com 1.035.650 comprimidos, teve Minas Gerais como estado que mais recebeu o medicamento e São Paulo na segunda posição, com 267.150 unidades repassadas.
No Sul, que recebeu 992.700 comprimidos, o Rio Grande do Sul foi o estado que mais recebeu unidades de cloroquina em todo o país: 606.500 doses. Mais que todo o Centro-Oeste, que contabilizou a chegada de 427 mil comprimidos, a maior parte para o Mato Grosso (154 mil).
Novo chamamento
O Ministério da Saúde abriu chamamento público para a compra de diversos medicamentos. O edital contempla, inclusive, a hidroxicloroquina, aposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no combate ao coronavírus, apesar de não ter eficácia comprovada cientificamente contra a COVID-19.
O edital não faz menção direta à COVID-19. Diversos remédios estão inclusos no chamamento, como o bisoprolol, usado por hipertensos e portadores de insuficiência cardíaca, e o anticonvulsivo rufinamida. A saúde federal também deseja adquirir, segundo o documento, “loção para a limpeza de pele” e “creme hidratante”.
A informação, publicada pela revista Veja, foi confirmada pelo Estado de Minas, que acessou o edital por meio do Diário Oficial da União (DOU).
O edital contemplando a hidroxicloroquina gerou reações. O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) dirigiu duras críticas ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Os questionamentos ocorrem sobretudo devido aos problemas que algumas localidades brasileiras enfrentam para vacinar suas populações. O Rio de Janeiro, por exemplo, precisou interromper a campanha de imunização por falta de doses.
“As vacinas estão acabando e o que faz Pazuello? Abre chamado público para comprar mais cloroquina. Já acionei o MP Federal para que o ministro responda por crimes contra a saúde pública”, disparou.
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