Sérgio Moro vem aí. O juiz que se filiou ao partido Podemos nesta semana fez um discurso presidencial, com esboço de plano de governo e tudo. Longe de ser um problema para candidatos de esquerda – para Lula, sobretudo, porque lidera as pesquisas –, a candidatura Moro surge como um machado no pescoço das pretensões de Jair Bolsonaro 2022. Moro e Bolsonaro disputam, no grosso, o mesmo eleitor.
Moro é o melhor posicionado para pegar os bolsonaristas já arrependidos e deve sugar votos que ainda estão com Jair. Daqui até outubro do ano que vem, caso não aconteça algum milagre econômico, Bolsonaro pode estacionar em seus 25% de intenção de voto ou até mesmo perder eleitores. Por outro lado, há outros (ao menos) 20% dos eleitores que não desejam #NemLulaNemBolsonaro. Por ora, o melhor nome pra pescar almas nesse rio é Moro. Então é isso: se tem alguma chance de Jair ficar de fora do segundo turno, essa chance se dá pela candidatura Moro.
Nos próximos meses veremos o ex-ministro de Bolsonaro atacar seu ex-patrão. O ataque se dará naquilo que se diferenciam: não no conteúdo, mas apenas nos modos. Moro vai se mostrar um candidato capaz de levar adiante as mesmas pautas de extrema-direita que elegeram Bolsonaro. A diferença? Em vez de comer com as mãos, como o capitão expulso, o ex-juiz usará talheres. Querem ver?
Enquanto Bolsonaro defende a milicianização da sociedade limpando a boca na manga do terno, Moro fala em “excludente de ilicitude”, que é o jeito técnico de defender a milicianização da sociedade. É um bolsonarismo tecnocrata em busca de um povo (na cerimônia de filiação no Podemos em Brasília estava apenas a burocracia do partido, alguns generais de pijama, a imprensa e puxa-sacos em geral).
Na tribuna, todo o conteúdo do discurso #Moro22 foi igual ao de #Jair18: os clichês sobre o combate à corrupção estavam lá; o tom anti-política; o candidato outsider; o “sistema” como o grande problema do país; a proteção da "família" contra a violência das drogas; a "capacidade empreendedora do brasileiro"; a reforma tributária e as privatizações (que estavam na boca de Paulo Guedes em 2018). Nenhuma palavra sobre trabalhadores precarizados, uberização, achatamento da renda e fila do osso. Está bem claro onde a biruta aponta.
Como esmola retórica, Moro disse que vai combater a pobreza com "senso cristão" (alguém falou em Deus, Pátria a Família? Amém, igreja!). E disse, em um ataque de megalomania, que "vai acabar com a miséria" (lembrem que ele iria acabar com a corrupção também…). Como medida prioritária para a inglória tarefa, o pré-candidato sugeriu (não riam) a "criação de uma força tarefa" (juro) de combate à pobreza. (agora podem rir)
Muita coisa ainda pode acontecer até outubro. Mas assim, a olho nu, eu chuto que Moro só não se lançará à Presidência se chegar lá por março do ano que vem e ele não descolar de algo em torno de 5% de intenção de voto. Qualquer coisa acima disso e teremos o candidato da terceira via (da extrema direita) nos palaques do Brasil, uma mistura de bolsonarismo tecnocrata + populismo retórico anti-PT e anti-Bolsonaro + judicialismo político estilo Law & Order + neoliberalismo privatista + franjas fofinhas estilo 'defender a Amazônia'. E por aí vai.
Pra candidatura decolar, claro, Moro vai depender de algumas coisas. Duas que me vêm à mente:
1. Bolsonaro precisa seguir patinando na casa dos 25%, e não pode, de modo nenhum, passar dos 30%. Se Jair subir, sobra pouco eleitor pro juiz.
2. Adesão: quem vai abraçar Moro na política e no mercado? O Podemos, sozinho, não dá conta. Mas o partido tem um fundo eleitoral para 2022 de magnânimos 218 milhões de reais. É um começo verdejante.
O que Moro já tem você já sabe: parte considerável e forte da imprensa, que ele, aliás, elogiou no discurso. E isso pesa, e muito. Sobretudo porque essa imprensa vai tentar vender o produto como um comestível de sabor moderado. Eca.
Leandro Demori - The Intercept
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