Há muita incerteza sobre a severidade dessa quarta onda pandêmica e sobre como a doença se desenvolverá a partir de agora. Nesta semana, o número de registros de Covid-19 dobrou globalmente e na quarta-feira, 4, foi batido o recorde de casos no mundo em um só dia, com mais de 2,5 milhões de pessoas contaminadas. Em toda parte, os serviços médicos estão sob pressão e os pronto-socorros, lotados. Não só por causa da variante Ômicron, que se apresenta com extrema virulência, 70 vezes maior que a Delta, mas também devido a outras doenças respiratórias, no caso brasileiro especialmente da influenza H3N2, fortalecida inesperadamente fora da sazonalidade do fim do outono. Um dos diferenciais da nova etapa da pandemia é o surgimento da “flurona”, o contágio simultâneo pela gripe e pela Covid-19. No Brasil, pelo menos uma centena de combinações desse tipo foi identificada. Percebe-se, porém, que apesar da explosão de contaminações, a letalidade da nova variante tem sido menor que a de cepas anteriores. O fator determinante para essa queda das mortes é o avanço da vacinação. Mas estudos feitos pelo Conselho Sul-Africano de Pesquisa Médica, no país onde a Ômicron surgiu, com só 24% da população imunizada, mostram que ela não afeta tanto os pulmões, e concentra seus sintomas nas vias respiratórias superiores sem causar pneumonias severas e levar tantas pessoas à UTI. “A Ômicron atingiu o pico sem implicar numa mudança alarmante nas internações”, disse o ministro da Presidência, Mondli Gungubele.

Pode ser um indicador promissor de que a doença está refluindo para começar a se tornar endêmica nas comunidades afetadas, o que significa que ela nunca mais vai mais desaparecer do mapa, mas deixará de ser tão mortífera. “A expectativa de qualquer epidemia é que surjam novas variantes e o fato de ter mais mutações não implica em mais patogenicidade”, afirma a médica Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz. “As epidemias de infecção respiratória têm ondas e uma hora acabam”. Ou reaparecem sazonalmente como a influenza, fantasma que aterroriza a humanidade há mais de cem anos, e que se tornou endêmica, doença de risco relativamente controlado, mas capaz de causar danos graves nas populações suscetíveis que só podem ser contidos com a vacinação. Junto com a vacina e seu impacto para evitar os piores sintomas da Covid-19, Dalcolmo considera que há uma grande “plausibilidade biológica” de que a Ômicron possa ser “o começo do fim da pandemia”, indicando uma espécie de adaptabilidade natural, “quase darwiniana”, do hospedeiro (ser humano) ao patógeno (agente infeccioso). “Por ter se tornado pandêmico é esperado que o Sars-Cov-2 não desapareça, ele vai permanecer entre nós. Vai fazer parte de um grupo de vírus que fica no ar”, acredita.

“As últimas variantes causavam uma lesão pulmonar extrema, mas a Ômicron diminuiu a capacidade do vírus de produzir doença grave” Gonzalo Vecina Neto, médico sanitarista

Isso significa que a atenção e os cuidados precisam ser redobrados porque a partir de agora a ameaça será permanente. As festas de fim de ano e uma vontade geral de libertação levam cada vez mais gente a abandonar cuidados básicos e explica o recorde de contágios. A lição dos cruzeiros marítimos, onde turistas são infectados em massa, também mostrou que não é hora de retomá-los, já que os navios continuam sendo um ambiente altamente favorável à contaminação. A princípio, eles foram interrompidos no Brasil até o dia 21 janeiro. Em São Paulo, os casos aumentaram 30% nos últimos dez dias com alta incidência da Ômicron. No Rio, os testes positivos dispararam – um em cada três testados está com a doença. A taxa de positividade para testes em janeiro é de 13%, enquanto, em meados de dezembro, esse percentual foi de 1%. O número de internações nos primeiros cinco dias do ano foi equivalente a 80% do total registrado em dezembro. O relaxamento das medidas de isolamento é o principal fator que leva a esse crescimento. Mas lacunas de imunização importantes como a de crianças e adolescentes, vetores de transmissão, também contribuem para o aumento da circulação do vírus. Por obra do governo federal, que fez de tudo para boicotar a vacinação infantil e tentou exigir prescrição médica, será impossível vacinar essa população de jovens, estimada em cerca de 20 milhões de pessoas, antes do começo do ano letivo. Para Dalcolmo os contágios ainda devem crescer nas próximas três ou quatro semanas.

Além da Ômicron, uma nova variante foi identificada no Sul da França, a IHU. Mas o gerente de incidentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), Abdi Mahamud, disse que a variante IHU está sendo monitorada desde 3 novembro e até agora não representou grande ameaça. Quanto à Ômicron, ele afirmou que embora esteja se espalhando rapidamente tem resultado em menos mortes – na África do Sul, em dezembro, pico do contágio da nova cepa, o número de óbitos ficou em níveis 60% menores do que os verificados na segunda onda, em janeiro de 2021. “A vacinação continua sendo essencial principalmente para as populações vulneráveis”, alertou. Em sete dias os casos duplicaram no mundo, mas a taxa de letalidade do vírus, que chegou a 2% no ápice de pandemia, não acompanha esse aumento. Poucos casos fatais são associados à nova cepa. Nos EUA, onde já morreram 830 mil pessoas pela doença, as contaminações também dobraram, mas o número de óbitos caiu 15%.

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, aparentemente, a Covid-19 está dando sinais de que se tornará endêmica. “O vírus sofreu muitas mutações, o que levou a uma mudança no padrão da doença que afetava o ser humano”, diz. “As últimas variantes causavam uma lesão pulmonar extrema, mas a Ômicron diminuiu a capacidade do patógeno de produzir doença grave e seu ciclo é mais rápido do que o da Delta”. Diante desse novo cenário, segundo ele, a questão prioritária, não só no Brasil, mas em todo o mundo, é a vacinação, o caminho mais seguro para diminuir a circulação do vírus e para conseguir controlar de uma vez por todas a pandemia. “Precisamos pensar que a Ômicron, embora seja menos letal, se espalha muito e por isso todos os cuidados precisam ser mantidos, como o uso de máscaras, o passaporte social e o distanciamento”, afirma. “Ainda que seja mais benigna, ela continua afetando severamente pessoas com comorbidades e os idosos, que são mais vulneráveis”. O momento exige muita atenção e não é hora de baixar a guarda. Mesmo que realmente enfraqueça, o coronavírus continuará sendo uma ameaça constante.


Fonte: Istoé