Desalojadas de seus imóveis, inundados em Santa Luzia, famílias relatam dificuldades e fatores que poderiam ser evitados

Uns perderam a televisão comprada em 24 parcelas, outros viram os móveis se encharcarem de água barrenta. O nível do córrego subiu e fez a cama do casal desaparecer, enquanto, na correria, havia tempo apenas para todo mundo sair do local. “Felizmente, não perdemos a fé nem a vida”, conforta-se a aposentada Giselda Marta, de 62 anos, 33 dos quais vividos no Bairro Boa Esperança, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Devido às fortes chuvas que elevaram o chamado Córrego do Hospital, canalizado na Avenida Raul Teixeira da Costa Sobrinho, Giselda e o filho Eliézer Eduardo dos Santos, de 38, tiveram que deixar o imóvel e se abrigar no prédio da Assembleia de Deus do Brasil, perto de onde moram. No sábado, o pastor Juvenal Francisco da Silveira acolheu oito famílias nas instalações da Avenida Presidente Afonso Pena. “Muitos voluntários têm nos ajudado, trazendo marmitex e lanche”, conta Juvenal.

Giselda não chorou de desespero e tem se mantido firme e forte numa parte do templo, para onde carregou móveis, roupas, enceradeira, eletrodomésticos e outros pertences. “Não é fácil carregar de um lado para outro. De repente, fica tudo fora do lugar”, diz Giselda olhando o córrego que se encontra com o Rio das Velhas pouco adiante e fez a avenida se transformar em volume único de água. Em Minas, outras famílias vivem situação semelhante – e de imensa tristeza – em Sabará e Betim, também na RMBH, e Pará de Minas, na Região Central.

Trabalhador de uma empresa de Santa Luzia, Cleiton dos Santos Jerônimo, de 42, conta que não vai ao serviço há dois dias. Está abrigado na igreja com a mulher e lamenta pelos prejuízos e o drama de ter ficado sem o teto da família. “Na primeira enchente, em 2019, perdi tudo, até o carro. Agora, até os faróis (do novo) estão com barro”, mostra Cleiton, que tem certeza da origem dos problemas. “Desde que desviaram o curso do córrego para construção de um viaduto (há anos interditado), ele transborda durante chuva forte”, afirma.

No segundo andar do templo, ele acomodou o guarda-roupa, máquina de lavar, roupas de cama, colchão e é hora de voltar para casa e começar a faxina. Se demorar muito, a lama gruda nas paredes como se fosse uma cola e ninguém consegue retirá-la.

Chateação e frustração são as palavras encontradas pela comerciária Camila Bedine para descrever a situação causada pela enchente. Casada com Getúlio Bedine, ela diz conhecer o problema de longa data, pois foi criada no bairro. Pais de Giovanna, de 3 anos, Getúlio e Camila olhavam o quadro do alpendre da casa de amigos. “Sentimos que ia transbordar, então, retiramos tudo aos poucos, durante a semana”, disse Getúlio.

O casal vem se surpreendendo com o grande número de caramujos “enormes” que está aparecendo. Pouco antes, contou ao repórter: “Nunca vi tanto rato morto"”. “Aqui, todo mundo ajuda todo mundo. Fazemos um mutirão para tirar os pertences e depois para recolocar no lugar”, diz Cleiton. Uma das dificuldades para as pessoas em “vida provisória” se encontra na hora do banho. Como o templo não tem chuveiro, cada um se vira, indo à casa de parentes ou de amigos.


Fonte: Jornal Estado de Minas