Casa com a prerrogativa de cassar mandatos na suprema corte terá bancada maciça de bolsonaristas radicais.
JAIR BOLSONARO está perdendo (por enquanto?), mas a extrema direita que personifica já é a grande vencedora das eleições gerais de 2022 no Brasil. Após 686 mil mortes pela covid-19 e ante o olhar incrédulo de mais de 30 milhões de famintos, o presidente recebeu no domingo, 2 de outubro, quase 2 milhões de votos a mais que no primeiro turno de 2018.
Mais que isso, comandou a eleição de aliados muito fiéis para a casa que moderou alguns de seus arroubos autoritários e populistas, o Senado. Que, por sua vez, tem a prerrogativa de cassar o mandato de ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF, esse sim o grande freio das ambições de Bolsonaro – até agora.
O PL, partido ao qual Bolsonaro se filiou para disputar a reeleição, terá em 2023 a maior bancada do Senado, graças aos oito candidatos eleitos agora. Da lista, fazem parte nomes do bolsonarismo hardcore, casos de Magno Malta, no Espírito Santo; Jorge Seif, ex-secretário da Pesca, em Santa Catarina; o ex-astronauta e ex-vendedor de travesseiros Marcos Pontes, em São Paulo; Wilder Morais, em Goiás; e Jaime Bagatolli, em Rondônia. Graças ao pacotão de extrema direita, o PL terá 14 dos 81 senadores.
Não é só. Damares Alves, pelo Distrito Federal, e o atual vice-presidente Hamilton Mourão, pelo Rio Grande do Sul, são filiados ao Republicanos, partido controlado pela Igreja Universal do Reino de Deus, e pregadores fiéis do ideário de extrema direita de Bolsonaro. O Paraná elegeu Sergio Moro, ex-ex-bolsonarista filiado ao União Brasil. Por Minas Gerais, chegará ao Senado o deputado estadual Cleiton Gontijo de Azevedo, o Cleitinho, do PSC.
Graças a isso, já se começa a especular em Brasília que a ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, deverá ser lançada candidata à presidência do Senado em 2023. Ruralista eleita pelo PP do Mato Grosso do Sul, ela foi – ao lado de Damares – uma das duas únicas mulheres do primeiro ministério de Bolsonaro.
Além deles, seguirão no Senado bolsonaristas arraigados como Luís Carlos Heinze, do PP gaúcho; Carlos Viana, do PL mineiro; e Jorginho Mello, do PL catarinense – que disputa o segundo turno para o governo de seu estado.
Impeachment!
Eleger apoiadores incondicionais para o Senado foi uma das prioridades de Jair Bolsonaro. Em suas motociatas, ele não raro reservou a garupa da moto que pilotava para seu candidato à câmara alta do Congresso. Foi assim no sábado, véspera do primeiro turno, quando escolheu encerrar a campanha desfilando pelas ruas de Joinville, maior cidade catarinense, com Jorge Seif como carona.
Ter votos no Senado para ceifar as cabeças de desafetos no STF é uma obsessão presidencial desde que a corte suprema passou a investigar seus filhos e aliados próximos em inquéritos como a das fake news e dos atos antidemocráticos.
A lei que regula o impeachment de ministros do Supremo é a mesma que trata do impedimento de presidentes da República: a 1.079, de 1950. O artigo 39 define como causas para a cassação de mandatos no STF “alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal”; “proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”; “exercer atividade político-partidária”; “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”; e “proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções”.
Não é difícil imaginar que um senador bolsonarista decida processar Alexandre de Moraes por uma alegada “atividade político-partidária” nos inquéritos antidemocráticos, Edson Fachin por mudar de ideia sobre os processos contra Lula na Lava Jato ou Luiz Roberto Barroso por mandar a Câmara de Curitiba devolver o mandato ao vereador negro cassado num processo evidentemente tisnado pelo racismo. O próprio Bolsonaro já tentou guilhotinar Moraes, em 2021 – mas o pedido de impeachment foi arquivado pelo atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD mineiro.
Mas qual será, a partir de 2023, o comportamento da casa, se presidida por um aliado (ou aliada) de Bolsonaro? Caso um pedido de impeachment seja aceito, ele precisa de maioria simples – ou seja, do voto de 41 senadores – para ir adiante. O PL sozinho já terá 14 senadores; o PP, da base do presidente, sete; o Republicanos, três. Faltariam, nesta conta, 21 votos, a serem colhidos entre senadores de legendas como União Brasil, com 12 cadeiras; MDB, com 10; e PSD, também com 10. São siglas que podem tender ao bolsonarismo conforme o momento e o resultado da eleição presidencial.
Cabe, ainda, analisar o comportamento pregresso de alguns dos futuros senadores. Jorge Seif já chamou os ministros do STF de “vagabundos“. Damares classificou a cassação do mandato de um deputado estadual bolsonarista que mentiu sobre fraudes nas urnas eletrônicas de “desserrviço“. Mesmo a – em comparação – moderada Tereza Cristina já exortou, em abril passado, que o STF deveria “agir nos limites da Constituição”. Um dia antes, Bolsonaro havia indultado o deputado Daniel Silveira, do PTB fluminense, condenado à prisão pela Suprema Corte por crimes investigados no inquérito dos atos antidemocráticos.
Adiante: Mourão, um general da reserva que tieta o torturador condenado Carlos Alberto Brilhante Ustra e já defendeu golpe de estado, tem um currículo que fala por si. Wilder Morais, Bagatolli e Cleitinho foram eleitos rezando a cantilena radical bolsonarista e já devem ter aprendido que pode custar caro sair dela – vide Joice Hasselmann.
Chegamos a Sergio Moro: celebrado em 2018 como sujeito capaz de moderar Bolsonaro (risos), ele perdeu o status de superministro com a Vaza Jato e, após ser sistematicamente humilhado pelo presidente, pediu o boné. Depois de tentar uma aventura presidencial e uma candidatura ao Senado por São Paulo, se viu premido a retornar ao Paraná e, ali, a pavonear-se para Bolsonaro na tentativa – bem-sucedida – de atrair o gordo eleitorado dele no estado.
É ingenuidade acreditar que Moro, que em 2021 foi carimbado de juiz parcial pelo Supremo, terá carinho ou respeito pela independência e pelo papel que a corte exerce para conter os arroubos golpistas de Bolsonaro. Ao contrário, fará bem à narrativa – e ao imenso ego – do ex-juiz poder afirmar que ministros do STF que reconheceram sua óbvia parcialidade eram indignos dos cargos.
Em português claro: caso Bolsonaro se reeleja, terá nas mãos a chance inédita de fazer com o Senado e o STF o que já fez com a Câmara Federal (em sociedade com Artur Lira) e a Procuradoria-Geral da República (graças à indolência de Augusto Aras). Se perder, caberá a Lula governar negociando com (ou provavelmente enfrentando) um Senado que nunca foi tão radical e à direita.
É a realidade com que acordou, nesta segunda-feira, o país que foi dormir no sábado sonhando que a inépcia, a desumanidade e a incompetência de Bolsonaro freariam o avanço da extrema direita. Deu-se o contrário: nem mesmo o desempenho do pior presidente da história recente do país impediu que seus partidários radicais fincassem garras onde nunca haviam chegado. Se os últimos quatro anos já foram sombrios, espere só pelos que virão.
Rafael Moro - The Intercept
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