Foram analisados mais de 600 participantes atendidos em 55 hospitais. Percentual de mortes foi de 3% tanto entre os que tomaram o remédio quanto entre os que integravam o grupo controle.
Todos os pacientes foram analisados 15 dias depois de começarem o tratamento. Ao final, o quadro clínico era similar nos três grupos estudados, ou seja, os medicamentos não foram úteis no desfecho da evolução clínica. Segundo a pesquisa, após 15 dias, estavam em casa, sem limitações, 69% dos pacientes que usaram hidroxicloroquina combinada a azitromicina. Mas o mesmo quadro foi visto em 64% dos pacientes que usaram somente hidroxicloroquina, e por 68% dos pacientes que receberam apenas suporte clínico padrão.
“Não constatamos nenhum efeito benéfico, nem com a hidroxicloroquina sozinha nem junto com a azitromicina”, explica Regis Goulart Rosa, membro do Comitê Científico da Coalizão Covid Brasil e médico intensivista do Hospital Moinhos de Vento, que participou do estudo.
No início da pandemia, lembra, estudos pré-clínicos e estudos in vitro demonstravam uma possível efetividade da hidroxicloroquina para combater o novo coronavírus. Achava-se também que a associação de azitromicina pudesse potencializar o efeito desse combate.
“Mas, na prática, ao colocar os pacientes em tratamento com o estudo clínico, esses medicamentos não mostraram nenhum benefício”, destaca.
Além de não trazerem benefício, os medicamentos provocaram efeitos adversos nos pacientes estudados.
“Percebemos alterações ecocardiográficas que predispõem a riscos de arritmias cardíacas e alterações em exames que indicariam lesões hepáticas”, conta Rosa.
Participaram deste estudo 55 hospitais públicos e privados do país, entre eles pesquisadores do Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, o Brazilian Clinical Research Institute (BCRI), a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) e o Hospital Naval Marcílio Dias, do Rio de Janeiro.
“Conseguimos inscrever e aprovar a pesquisa em todas as instâncias e recrutar todos os centros em tempo recorde. E com uma mescla bastante representativa de pacientes dos sistemas público e privado. É um passo importante para gerar evidência científica que possa ajudar o país e o mundo nesse momento de pandemia”, diz a médica intensivista Flávia Machado, da Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).
Mortalidade e internação
O estudo também avaliou a mortalidade e o tempo de hospitalização durante o acompanhamento dos pacientes, e os resultados não mostraram alteração entre os três braços da pesquisa. Tampouco houve diferença na necessidade de ventilação mecânica entre os grupos analisados.
“Observamos o percentual de pacientes que voltaram para casa, com ou sem dependência de oxigênio, ou que permaneceram no hospital, com ou sem dependência de oxigênio, até o pior desfecho. E não houve diferença nem na duração de hospitalização nem na necessidade de oxigênio ou ventilação mecânica”, conta Flávia Machado. “O estudo mostra que não há indícios de benefícios (do tratamento) nem para esses desfechos indiretos.”
A taxa de mortalidade foi em torno de 3% nos três grupos analisados. E não houve redução no tempo de internação ou necessidade de ventilação nos pacientes tratados com hidroxicloroquina, combinada ou nao à azitromicina.
“Se o tratamento ao menos reduzisse o tempo de ventilação mecânica ou um dia de internaçao seria um resultado relevante na questão de dar mais vazão aos leitos. Mas não constatamos essa diferença entre os grupos de tratamento”, diz Rosa.
Os grupos que receberam tratamento necessitaram em torno de quatro dias de suporte respiratório. Já a duração de internação ficou em torno de dez dias.
Segundo Rosa, embora continue o desafio em se encontrar um tratamento eficiente contra o novo coronavírus, o estudo é relevante em fazer um alerta sobre o uso de medicamentos que não só se mostram ineficientes para os grupos estudados como podem causar efeitos prejudiciais:
“Não faz sentido ter um investimento muito grande em uma terapia que não vai trazer benefícios. Ainda mais se esse tratamento está associado a um risco maior de efeitos adversos. Há impactos financeiros e riscos para a vida dos participantes”, explica o médico intensivista, reforçando que o estudo não foi aplicado a pacientes graves nem a pacientes ambulatoriais, que não necessitaram hospitalização.
Além do estudo sobre hidroxicloroquina, associada ou não à azitromicina, a Coalizão COVID-19 Brasil conduz outros oito estudos com potenciais terapias para pacientes infectados pelo novo coronavírus, entre eles anticoagulantes e anti-inflamatórios.
“É uma busca incessante”, diz Flávia Machado. “Do ponto de vista científico, juntando com outras evidências científicas para a hidroxicloroquina, ela não se mostrou como alternativa. Mas a coalizão está empenhada em encontrar soluções. Temos outros estudos em andamento. Todos queremos encontrar terapias que sejam eficazes, mas sem falsas promessas.”
Fonte: Valor e G1
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