Milicos são peças-chave na mudança de rota da Petrobras.
Em 12 de maio de 2016, o Senado aceitou o processo de impeachment contra Dilma Rousseff, o que a afastou do cargo. Meros cinco dias após o primeiro passo fundamental do golpe parlamentar contra a petista, Michel Temer (o da "ponte para o futuro") anunciou mudanças no comando Petrobras: Pedro Parente assumiria a estatal.
Na estatal, Parente implantou a política que atrelou os preços domésticos dos combustíveis ao mercado internacional do petróleo. Intocada desde então, ela fez os preços dispararem nesta semana. A gasolina foi reajustada em 18,77%, o diesel, em 24,9%, e o gás de cozinha, em 16%. Imediatamente, filas se formaram em postos de todo o país. Aqui em Brasília, já na madrugada de sexta, vi postos anunciando o litro da gasolina a R$ 7,99.
É importante resgatar as circunstâncias dessa guinada na Petrobras. Nela, as digitais são verde-oliva – o que explica porque nem o populista Bolsonaro consegue segurar os preços dos combustíveis.
Pouco antes da posse de Parente na Petrobras, o ministério Temer assumiu. Nele, chamava a atenção a chegada de um militar para um cargo com gabinete no Palácio do Planalto. Era o general Sérgio Etchegoyen, que assumiu o recriado Gabinete de Segurança Institucional, ao qual passou a estar subordinada a Agência Brasileira de Inteligência, a Abin.
Etchegoyen era militar da ativa quando aceitou o convite para se tornar um dos políticos de confiança de Temer no Planalto. General de quatro estrelas – o topo da carreira –, ocupava a chefia do Estado-Maior do Exército em Brasília. Era o número dois da força, nomeado pelo número um, o também general quatro estrelas Eduardo Villas Bôas.
Como o próprio Villas Bôas, já então acometido pela pavorosa esclerose lateral amiotrófica, contou em seu livro-entrevista de memórias (revisado escrupulosamente por Etchegoyen), os dois nasceram com diferença de menos de três meses em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, filhos de militares que serviam na cidade, e foram amigos desde os primeiros anos da infância.
Etchegoyen era chefe do Departamento Geral do Pessoal do Exército, em 2014, quando assinou uma nota atacando a inclusão do pai dele, o também general Leo Guedes Etchegoyen, no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que reuniu crimes e violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura militar. Àquela altura, ainda eram raros os faniquitos políticos públicos de militares da ativa. Mas o de Etchegoyen não lhe custou o progresso na carreira.
Ele já chefiava o Estado-Maior para o amigo do peito Villas Bôas quando ambos passaram a se reunir discretamente com o vice-presidente Temer. O filósofo Leo Rosenfield, biógrafo autorizado de Temer, conta que os "vários encontros" buscavam retirar os chefes militares do papel de conspiradores e levá-los à institucionalidade política e revelaram o profundo mal-estar causado na cúpula das Forças Armadas pela Comissão Nacional da Verdade.
Temer, presidente, levou Etchegoyen ao Palácio do Planalto e manteve Villas Bôas no comando do Exército. Não é preciso ser um gênio para concluir que aquelas conversas foram vantajosas a todos os envolvidos.
Chegamos a 2018, quando Villas Bôas, ainda comandante-geral do Exército, tuitou ameaçando o Supremo Tribunal Federal na véspera de um julgamento que poderia valer a Luiz Inácio Lula da Silva a chance de se candidatar a presidente naquele ano. O STF não deu o habeas corpus a Lula, que liderava as pesquisas eleitorais, e Jair Bolsonaro se tornou presidente da República. Uma vez no cargo, ele diria em público a Villas Bôas que lhe devia a eleição e que levaria os segredos de ambos para o túmulo (hoje sabe-se que Villas Bôas consultou toda a cúpula do Exército antes de disparar seu twitter-torpedo).
Empossado presidente, Bolsonaro se cercou de fardados. Desde o dia 1 do governo, o ministro das Minas e Energia é o almirante da Marinha Bento Albuquerque – ele só passou à reserva em março de 2020. Escolhido para comandar a Petrobras por Paulo Guedes, o economista Roberto Castello Branco manteve a política implementada por Pedro Parente. Ainda assim, sua inflexibilidade em negociar reduções dos preços dos combustíveis lhe custou o cargo em março de 2021. Para o lugar dele, Bolsonaro mandou buscar o general da reserva Joaquim Silva e Luna, que fazia sucesso no Paraná financiando obras públicas com o dinheiro da hidrelétrica de Itaipu, que presidia.
"É para interferir [nos preços] mesmo", prometia o presidente da República ao comentar a mudança na Petrobras. Empossado, o general Silva e Luna tratou de botar freio no indisciplinado capitão Bolsonaro, que ansiava reduzir o preço do diesel para agradar uma de suas bases eleitorais, os caminhoneiros. E a política de preços de Pedro Parente seguiu incólume. Criou-se, assim, o que os professores de economia João Romero e Fábio Terra batizaram, no Intercept, de Auxílio Mercado, um dos maiores programas de transferência de renda pró-ricos do mundo.
O preço da gasolina subiu impressionantes 73,4% só em 2021, e o do diesel, 65,3%, explicaram os dois. Os aumentos são explicados pelo aumento do preço internacional do petróleo e pelas barbeiragens neoliberais de Paulo Guedes, que, junto às barbaridades políticas de Bolsonaro, fizeram o câmbio disparar.
Na quinta, horas antes do anúncio do aumento explosivo de preços pela Petrobras, Bolsonaro, obviamente informado com antecedência, disse o seguinte aos integrantes de seu exército de teleguiados no cercadinho do Palácio do Alvorada: "Eu não defino preço na Petrobras. Eu não decido nada, não".
De fato. Quem decide são os militares.
P.S.1: "Esse aumento de combustíveis é inaceitável. O Governo deixou o dólar descontrolado no ano passado e agora, no momento de uma guerra, está paralisado. Tudo falta: refinarias, fertilizantes... Não tem ninguém pensando o país a longo prazo?", tuitou Sergio Moro. Talvez ele tenha se esquecido da Lava Jato, que arrasou obras de infraestrutura da Petrobras (e seus fornecedores) no afã de perseguir corruptos. E que já disse considerar Paulo Guedes "um grande quadro público".
P.S.2: Em dezembro de 2017, procuradores do Ministério Público Federal do Rio foram à justiça contra Dilma Rousseff, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e a ex-presidente da Petrobras Maria das Graças Foster por usarem os preços de combustíveis para frear a inflação. Foi de fato uma barbeiragem econômica, criticada depois até por Fernando Haddad. Mas não se viu ainda o MPF mover uma palha contra a alta explosiva dos preços em 2021 e 22. Será que os procuradores têm ações da Petrobras?
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